Na primeira vez em que passou pela Pont des Arts, em Paris,
Julia achou graça daquele amontoado de cadeados com nomes e declarações em diferentes
tamanhos e vindas dos mais distantes países. Mais graça ainda ela achou ao ver
os ambulantes nos arredores vendendo muitos dos cadeados que mais tarde seriam
colocados ali, sob juras de amor eterno. “O amor tem preço”, divagou ela,
pensando em como estariam hoje os tantos casais que atiraram as chaves ao rio
Sena durante o momento da promessa. Estariam juntos? Por quais crises teriam
passado? Ainda amavam-se loucamente, ou hoje eram apenas lembrança na memória
um do outro? Casaram-se? Tiveram filhos? Adotaram cachorros?
Tudo isso passava pela cabeça de Julia enquanto ela também
sonhava em ter um cadeado com seu nome na ponte. Naquele dia, contava as horas
para rever Luis. É bem verdade que ela não tinha atravessado o oceano por causa
dele. Fazia questão de deixar isso claro. Mas também é certo que ela sonhou com
aquele encontro.
Assim como é certo que algumas das amigas mais próximas alertavam
que aquilo podia dar errado. “Por isso, Julia, aproveite esse mochilão. Conheça
quem você puder conhecer. Faça tudo o que tiver chance de fazer”. Julia ouvia,
fazia que concordava. Mas preferia acreditar na história que havia criado. Que
Luis iria render-se a dias de paixão que marcariam o final de sua viagem de
dois meses. E que aquilo poderia até ser o começo de uma vida nova para ela em
outro país.
Ela não tinha base nenhuma pra acreditar nisso. Dois meses
antes, Luis a viu em Londres, Inglaterra, local que foi a casa de Julia por
alguns meses. A visita aconteceu depois de mais muitas horas de diálogos online
e de leves, quer dizer, médias, não, pesadas insistências de Julia. Luis não
sabia dar respostas diretas. E isso deixava Julia confusa, principalmente
depois de tantas horas e confidências gastas online. Ela era direta. Ele, não.
A primeira visita aconteceu. E, embora ela tivesse se
esforçado para que tudo fosse lindo, a despedida teve gosto amargo e a memória
de uma confissão com a qual Julia não sonhava, apesar das evidências. “Moramos
em cidades diferentes. Não vamos criar expectativas”.
Expectativas foram a base de alimentação de Julia por meses, talvez
anos. Ela sempre esperou por algo. Na infância, ela ansiava a chegada do Natal.
Acreditou em Papai Noel por muito tempo. Assim como no coelhinho da Páscoa. Ela
esperava janeiro para comemorar seus aniversários e sonhava com o primeiro dia
de aulas para começar a rabiscar os cadernos com cheiro bom de papel novo. Ela
invejava as amigas que viviam pregando o “pega, mas não apega”. Ela não conseguia
entender como era possível a tal da pegação sem apego. Por isso, dizia preferir
ficar sozinha. Não era bem preferência. Talvez inadequação. Mas o discurso
funcionava.
Julia tentou trabalhar com esta frase e com o olhar
despropositalmente descrente das pessoas para quem ela contava essa história.
Não eram muitas. Mas eram todas espertas o suficiente. Ao menos, naquele
momento, mais sensatas que Julia.
Depois de andar uma boa parte de Paris, Julia voltou para o
hostel e leu as mensagens do dia. Uma delas, enorme, vinha de Luis, avisando
que a esperava, mas que ela não viesse com as tais expectativas. Porque ele
havia conhecido outra.
A espuma do colchão pareceu criar pregos. A cabeça da
viajante não saía da frase central da longa mensagem. E ela só tinha um dia e
meio para decidir se de fato iria para a casa de Luis ou não.
No dia seguinte, a ponte dos cadeados não recebeu o mesmo
olhar benevolente da turista brasileira. Seu desejo era o de ter uma bomba para
explodir todos aqueles apetrechos coloridos, amontoados e, por quê não, fakes.
Tudo aquilo era falso, na cabeça odiosa de Julia, que viu-se desprezada e
abandonada, com um oceano de distância do colo da mãe. Àquela época, não sabia
que a prefeitura de Paris até concordava com ela,
mas não pelas mesmas razões. Os cadeados forçavam a carga das grades da ponte,
e provocaram até a queda de um pedaço delas no Sena.